A noite sem fim

Uma vez, há muito tempo atrás. Uma cozinheira muito curiosa encontrou um frasco com um bonito pó azul escuro em seu porão. Achando que aquilo deveria ser uma especiaria exótica e deliciosa, a usou para temperar o feijão. Sem saber, ela liberou um poderoso e maligno feitiço: o sol desceu no horizonte e nunca mais subiu.


Vários anos se passaram na mais completa escuridão. Um dia, numa humilde fazenda que nada colhia há tempos – pois o sol não mais ajudava a germinar as cenouras e as batatas –, uma jovem que de tão bonita se chamava Linda, foi escolhida para uma missão. Acreditava-se que a beleza dela iria ser de grande ajuda para trazer o sol novamente. O povo não agüentava mais passar fome e, por isso, Linda deixou a fazenda para tentar acabar com encanto maligno.

Em suas andanças pelo mundo, a bela fazendeira ouviu certa vez um rugido seguido de um lamento. Vendo os pássaros fugirem, ela seguiu na direção do barulho para ver o que era. Linda chegou numa clareira e viu uma criatura grande e vermelha, parecia um demônio ou algo muito ruim. Porém, a tal criatura estava sentada numa rocha e parecia muito triste. A corajosa fazendeira se aproximou da fera e a tocou gentilmente. O monstro, assustado, recuou e mostrou os dentes pontudos e escuros. Ela engoliu o medo e se manteve firme. Linda viu nos olhos do monstro que ele era incapaz de fazer qualquer mal.

Eles sentaram e conversaram. Linda ficou sabendo que o monstro na verdade era Hélio, o príncipe solar de quem tanto ouviu histórias quando criança. O príncipe solar era o responsável por fazer o sol surgir das águas todos os dias, mas ele agora estava amaldiçoado e ficaria com aquela forma horrenda enquanto o sol não se levantasse novamente. Os dois então resolveram se unir para acabar com o feitiço da escuridão.

O príncipe solar contou que uma terrível fera das trevas chamada Xorozon havia sido libertada de sua prisão: um frasco de pó azulado. Esse verdadeiro monstro roubou o bule mágico de Hélio e não deixava mais o sol voltar. O príncipe também contou que ele não podia enfrentar o monstro sozinho, pois a entrada da caverna onde a fera vivia era muito pequena e ele não conseguia passar com o seu corpanzil monstruoso.

Linda e Hélio caminharam por muito tempo até chegar à estreita entrada da caverna de Xorozon. Lá chegando, a fazendeira viu que ela tinha o tamanho certo para passar pela entrada, mas o príncipe transformado em fera nunca conseguiria entrar. Ela se aventurou pela passagem e foi caminhando devagarzinho na escuridão. Ela ouvia a respiração de Xorozon lá longe, mas não sabia como ele era e onde ele estava. Então, de repente, ela viu os olhos vermelhos na escuridão e ouviu um som alto de agudo que a deixou com muito medo. Ela saiu correndo sentindo o bafo de Xorozon em seus calcanhares, ficou temerosa de não conseguir voltar a ver a saída. Perdida na escuridão, Linda tropeçou e caiu. Virou-se e viu a boca enorme de Xorozon aberta e imunda, pronta para devorá-la.

Por sorte, ela caiu bem ao lado da entrada. Hélio estava pronto para passar seu braço pela fenda e puxá-la para fora. A fazendeira respirou aliviada, mas mal teve tempo de agradecer ao príncipe. Xorozon – que era como uma serpente gigante – passou facilmente pela pequena entrada e logo atacou Hélio. A fera das trevas logo tratou de se enrolar em torno do príncipe e apertá-lo com toda a força. Já o príncipe, aproveitou que tinha garras e presas e mordeu a criatura ferozmente. Os dois monstros, um do bem e outro do mal, lutaram por muito tempo. Às vezes, quando a situação parecia perdida, o príncipe olhava a beleza de Linda e se inspirava para continuar. Partia para cima de Xorozon e o golpeava novamente.

Por fim, os dois monstros caíram ao chão. Xorozon fora derrotado, mas Hélio também estava muito ferido. Ele falou para a fazendeira ir ao fundo da caverna de Xorozon e trazer o bule mágico de volta. Assim ela fez e, ao voltar, ouviu príncipe dizer:

- Minha Bela, não vou resistir por muito tempo, meus ferimentos são muito graves e o veneno de Xorozon é poderoso. Quero vê-la até o resto de meus dias. Sua beleza e bondade me deram forças para vencer essa luta.

Com essas palavras, o príncipe arrancou os próprios olhos e os entregou para a fazendeira. Ele falou que ela deveria ferver seus olhos no bule mágico e despejar seu conteúdo na água. Desse chá mágico, o sol seria feito e se levantaria novamente das águas. A fazendeira cumpriu o desejo de Hélio e derramou cuidadosamente o chá mágico na praia. Ela viu o chá, que ficou dourado e brilhante, se mover na água até tocar o horizonte. Aos poucos, o chá foi saindo da água e formando uma bolha amarela nos céus, assim foi o primeiro amanhecer em muitos anos.

Desde então, Linda se tornou a princesa solar. Todos os dias, na hora certa, ela faz um chá mágico e despeja na praia. Ela sabe que, lá do alto, seu amado príncipe a admira e a protege.

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Esta segunda fábula foi fruto de uma tarde muito agradável com os amigos e um Wii. Aqueles que participaram dessa contação podem até não reconhecer aqui a história que contamos. Talvez sintam falta do machado, de algum sangue, do filhote de urso zumbi que sofria de prolapso anal, do filho do demônio, do Patolino e do Super-Homem que também participaram dessa aventura. Da mesma forma, é possível que eles também percebam que eu recheio a história com outras referências, com o propósito de contar uma história menos espontânea, mas um pouco mais coerente.

A parte mais difícil de trazer histórias de Once Upon a Time para esse blog é tirar parte da escatologia e do sexo, ou pelo menos dar sentido a eles.

Participaram desse jogo: Archie Warez, Eloise Porto e Romulo Marques

Imagem: Van Gogh - Noite Estrelada sobre o Rhone

O fogo da Bruxa

Era uma vez uma bruxa chamada Ermelinda. Quando estava na escola, ela aprendeu que as pessoas se sentiam meio inquietas na presença de uma bruxa, então Ermelinda preferiu viver sozinha em sua torre.


Um dia, Ermelinda estava se sentindo muito só e resolveu fazer um amigo para conversar com ela. Ela estudou um monte de feitiços e encantamentos; juntou um monte de ingredientes de bruxa, como beterrabas, patas de sapo, asas de morcego e pimenta do reino e começou o seu trabalho. Acendeu um fogo muito brilhante e jogou os ingredientes nele. Um pouco disso, um pouco daquilo, uma pitada de sal, as palavras mágicas certas e bunf! O feitiço estava feito. Uma voz estalada e quente falou com a bruxa: "eu sou o seu fogo amigo!".

Ermelinda olhou com orgulho para o fogo mágico a sua frente. Agora ela tinha um amigo para conversar o quanto quisesse! Alguém que não ia se incomodar de ter uma amiga bruxa. "Então, Fogo Mágico, sobre o que vamos conversar?", perguntou a bruxa toda feliz. "Conversaremos sobre o cálice de ouro", respondeu o fogo crepitante. A bruxa se espantou com um assunto tão estranho e foi logo perguntando: "mas que raios de cálice de ouro é este, senhor Fogo Mágico?". A sala pareceu ficar mais quente quando o a fogueira respondeu: "aquele que você irá trazer para o seu amigo aqui".

A bruxa ficou muito confusa. Como ela nunca tinha tido um amigo antes, não sabia como era ter um. Ela então prometeu a fogueira que lhe traria o cálice de ouro, pegou sua vassoura voadora e partiu para a cidade. Aproveitando o escuro da noite, ela foi nas lojas que já estavam fechando e perguntou pelo cálice dourado. Andou, andou e encontrou um belíssimo cálice de ouro numa loja no finzinho da rua. Como havia gasto muito dinheiro nos ingredientes para fazer o feitiço da fogueira, acabou torrando suas últimas economias no presente para o novo amigo.

Ermelinda voltava para casa em sua vassoura quando um pé de vento a fez cair lá do alto. Depois de se esborrachar toda no chão, a bruxa viu que o cálice havia se partido e começou a chorar. Seu lamento chamou a atenção de um coelho malhado que por ali passava. Ele se aproximou de Ermelinda e falou: "O que houve, bruxinha, por que está assim tristonha?". "Meu amigo me pediu um cálice de ouro, mas eu caí de minha vassoura e este se quebrou, agora ele não vai mais querer ser meu amigo!" - respondeu Ermelinda. "Mas que amigo é esse que pede um cálice de ouro em troca da amizade?" - espantou-se o coelho. A bruxa respondeu: "é o fogo mágico que fiz". O coelho ficou muito curioso com essa história e pediu para a bruxa levá-lo até essa fogueira encantada. Ermelinda então o pôs na vassoura e seguiu caminho para casa.

Ao chegar na torre, o coelho logo desceu da vassoura e entrou de fininho embaixo da mesa. Ermelinda se aproximou da fogueira e ouviu: "onde está meu cálice de ouro?". "Foi ao chão e quebrou-se, amigo fogo" - respondeu meio sem graça a bruxa. "Como espera ter um amigo se não consegue nem ao menos dar-lhe um humilde cálice de ouro?" - esbravejou o fogo. Ermelinda se pôs a chorar e a pedir desculpas quando, de repente, ouviu o coelho falar: "não chore, Bruxa! Esse fogo não é seu amigo! Ele é um ser maligno e quer te enganar!". "Ora, o que um coelho malhado da floresta sabe sobre amigos?" - acusou o fogo enquanto consumia um graveto. Nesse momento o coelho se transformou num homem de barbas brancas e chapéu engraçado que disse: "eu sou Xisto, o mágico! Vou fazer um feitiço que mostrará sua verdadeira forma!".

Xisto soprou o seu cachimbo e uma fumaça circundou a fogueira. Ermelinda estava muito assustada, mas ficou atenta a tudo que acontecia. Quando a fumaça passou, no lugar da fogueira havia um bicho feio e com cheiro de coisa podre, que logo tratou de cuspir fogo na direção de Xisto e Ermelinda. Os dois se defenderam com barreiras mágicas e uma batalha começou. Foi um tal de feitiço para um lado, raio místico para o outro, uma grande bagunça. Xisto e Ermelinda conseguiram chutar o bicho feio de volta para a casa dele, mas a luta acabou destruindo toda a torre de Ermelinda.

A bruxa pediu desculpas ao mágico por toda a confusão. Ela falou da sua solidão e sobre nunca ter tido um amigo, se tornando uma presa fácil para o ser maligno. Vendo que Ermelinda não tinha mais onde morar, Xisto a convidou para viver junto aos magos na cidade. Ermelinda ficou espantada! Perguntou se eles não tinham medo de viver com uma bruxa. Xisto explicou que as pessoas também tinham medo dos mágicos, mas eles viviam na cidade para ensinar as pessoas que elas nada tinham a temer.

Ermelinda percebeu que este dia havia sito repleto de lições. Primeiro ela aprendeu sobre o que é um amigo de verdade, depois ela aprendeu que quando as pessoas têm medo de você, você deve responder com amor e compreensão. Desde então ela faz questão de lembrar desse dia todas as manhãs.

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Este foi o resultado das primeiras partidas de Once Upon a Time que joguei. Cheguei em casa com o baralho recém-comprado e fui logo exigindo a companhia de minha esposa na brincadeira. Serviu para dar início a esse blog, uma vez que ficou claro que as partidas podem sim inspirar histórias, bastando editar ou refazer algumas partes. Serviu também para mostrar que o jogo funciona bem para duas pessoas, usamos apenas variantes de regras para não comprar tantas cartas, agilizando assim o fim da contação. Já era tarde e queríamos descansar.

Participaram desse jogo: Romulo Marques e Tatiana Rocha

Ilustração de Kim Antieau